MARIAZINHA
Do livro À Sombra do Imbondeiro
Mariazinha era uma das minhas vizinhas, com a singular particularidade de ser o meu maior amigo. Digo amigo e não amiga, porque se comportava como um verdadeiro rapaz.
Jogávamos bola, a bilha (no Brasil bola de gude,em Portugal berlinde) , e outros jogos que nada tinham a ver com bonecas, vestidos ou batons próprios das meninas.
A rua era nossa casa e a bola nosso passatempo. Os outros meninos se juntavam a nós para brincar na terra vermelha. Ela nos acompanhava em todas as brincadeiras. Só não me lembro de que alguma vez tenha lutado. Isso seria demais, por ser atividade reservada aos meninos de verdade.
Mariazinha era mais velha que eu uns quatro anos. Foi de férias a Portugal, seis meses que me pareceram uma eternidade. Senti sua falta. Quando voltou não era mais aquela Mariazinha franzina, despreocupada, vestida de qualquer maneira, não mais aquela “Maria-rapaz” de quem eu tanto gostava. Não era mais a companheira de aventuras que cheirava a muceque. Deparei-me com uma mulher, um mulherão, um avião, um pedaço de mau caminho. Minha primeira reação foi de susto e estranheza, depois de tesão. Os dias se passavam e percebia que não sabia mais como enfrentá-la. Ela não ligava mais para mim.
Um dia apareceu em casa. Fiquei feliz pensando que me estava visitando. Nada disso, não estava lá por mim. Foi palrar com minhas irmãs. Mas ela notou tristeza e decepção no meu olhar. Olhou para mim ternamente e deu-me um beijo nos lábios. Sorriu e foi embora.
Senti ter sido expulso completamente do sei espaço vital.
Se fosse hoje choraria... de tristeza,de amor e de tesão.
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