Depoimento


UMA HISTÓRIA DE AMOR,GUERRA E AVENTURA

28 de dezembro de 2010

MARIAZINHA - Extraido do livro À Sombra do Imbondeiro

MARIAZINHA
Do livro À Sombra do Imbondeiro


Mariazinha era uma das minhas vizinhas, com a singular particularidade de ser o meu maior amigo. Digo amigo e não amiga, porque se comportava como um verdadeiro rapaz.
Jogávamos bola, a bilha (no Brasil bola de gude,em Portugal berlinde) , e outros jogos que nada tinham a ver com bonecas, vestidos ou batons próprios das meninas.
A rua era nossa casa e a bola nosso passatempo. Os outros meninos se juntavam a nós para brincar na terra vermelha. Ela nos acompanhava em todas as brincadeiras. Só não me lembro de que alguma vez tenha lutado. Isso seria demais, por ser atividade reservada aos meninos de verdade.
Mariazinha era mais velha que eu uns quatro anos. Foi de férias a Portugal, seis meses que me pareceram uma eternidade. Senti sua falta. Quando voltou não era mais aquela Mariazinha franzina, despreocupada, vestida de qualquer maneira, não mais aquela “Maria-rapaz” de quem eu tanto gostava. Não era mais a companheira de aventuras que cheirava a muceque. Deparei-me com uma mulher, um mulherão, um avião, um pedaço de mau caminho. Minha primeira reação foi de susto e estranheza, depois de tesão. Os dias se passavam e percebia que não sabia mais como enfrentá-la. Ela não ligava mais para mim.
Um dia apareceu em casa. Fiquei feliz pensando que me estava visitando. Nada disso, não estava lá por mim. Foi palrar com minhas irmãs. Mas ela notou tristeza e decepção no meu olhar. Olhou para mim ternamente e deu-me um beijo nos lábios. Sorriu e foi embora.
Senti ter sido expulso completamente do sei espaço vital.
Se fosse hoje choraria... de tristeza,de amor e de tesão.

8 de dezembro de 2010

MENINO MALANDRO-Aventura- Trecho do livro À Sombra do Imbondeiro

Com o Juca resolvi montar uma banca na rua, feita com um caixote invertido, para vender rifas. Expúnhamos nossos brinquedos mais atraentes para serem sorteados pelos meninos que passassem. No caixote, junto com os brinquedos, ficavam pirulitos[1] e revistas. Uma longa lista associava os números que saíssem ao objeto sorteado.
Um dia, meu pai chegou para almoçar, achou muita graça à nossa iniciativa e comprou todas as rifas. Porém os números referentes aos brinquedos não estavam nas rifas, mas apenas na lista.
Descoberto nosso engodo, recebemos uma inesquecível lição de moral e nunca mais armamos o caixote. Nosso negócio acabou, mas a lição de moral perdurou!

          Jorge, meu vizinho, bem mais velho do que eu, adorava me irritar.
Um dia, sentado no portão da rua de sua casa, me agrediu com palavras que eu considerava muito duras, talvez por corresponderem à verdade:

Teu Pai é cambuta (baixinho)! Teu pai é cambuta!
Não repete isso que te atiro uma pedra.
Teu Pai é cambuta!
Peguei numa pedra.
Teu Pai é cambuta!
Avisei de novo:
Não repete que te atiro a pedra!
Como ele não se calava, cumpri a ameaça.
Foi parar no hospital, com a cabeça ferida e ensanguentada.
Sua mãe, muito zangada, queixou-se à minha mãe, que sem dar tempo para me explicar, deu-me duas chapadas e me colocou de castigo. Com o ambiente mais calmo, foi-me dada a oportunidade de esclarecer o ocorrido. Minha mãe se comoveu, pediu-me desculpas e nada falou a meu pai.


[1] Balas em forma de tubos

1 de dezembro de 2010

TESTEMUNHO DE MARTHA ROSA PISANI DESTRO


 

EXPLOSÃO DE GRANADA EM LUANDA
1974 -ARQUIVO DA FAMILIA

Confesso que demorei em iniciar a leitura do livro, pois, um preconceito acadêmico, me fazia considerar autobiografia como uma forma de subliteratura auto-promocional. Mas vindo de um amigo que sabia ter tido uma vida rica em experiências comecei a lê-lo lentamente. Surpreendentemente, o livro foi prendendo minha atenção e o li numa tarde de domingo e às 23hs terminei com um gosto de "quero mais", tanto que voltei ao inicio que não tinha despertado minha atenção e reli com outros olhos.
Trata-se de relato fluido, cativante que nos coloca no centro de uma realidade  pouco conhecida, por nós brasileiros, que só tínhamos noticias de uma colônia portuguesa que lutou pela independência sonhando por um ideal socialista libertador.
Você nos mostra uma outra versão, onde fica claro, o horror  de uma colonização perversa e predadora seguida de uma luta que, mais do que visando a libertação, foi uma disputa entre "grupos políticos" internos, isto é, uma verdadeira guerra civil sem que nenhum deles tivesse  claro quem era o verdadeiro inimigo e assim ignorando o que era melhor para Angola.
A fluência e clareza da narrativa vão cativando o leitor e despertando a vontade de saber mais sobre o país e o problema dos portugueses brancos nascidos em Angola, mas ainda assim visto com desconfiança pelas lideranças negras e por isso descriminado tanto por angolanos negros quanto por portugueses.
Eu, que sou uma ávida leitora, mas muito seletiva, me encantei com o texto e o recomendo, sem titubear, para leitores de boas obras da moderna literatura de língua portuguesa.

Dra Martha Rosa Pisani Destro
Professora.
Aposentada do Departamento de Filosofia da Educação da
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP